sábado, 26 de novembro de 2005

Incomportável


 

seja âmbar

o poema

furtado aos

intestinos da

palavra e

flamante seja

luz  que recende

para sempre

inescrita

 

Sandra B.

 

imagem: Years of fear, 1941. Roberto da Matta. Museu Guggenheim, NY

 

 

domingo, 6 de novembro de 2005

Realidad


Los sueños


que tengo acariciado


si mezclan con


el universo.


Expresiones,


signos,


imágenes


si conjugan entre


las fronteras


del cielo y de la tierra.


No hay división,


sino que uno


punto ciego que


nosotros mismos


construimos y


lo llamamos


realidad.


 


Sandra B.         


 


 


imagem: "Mirando al horizonte" óleo sobre tela de Leonor Maass.    

Moderato Cantabile

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Marguerite Duras
Marguerite Duras me conquistou com Moderato Cantabile, o livro através do qual tomei contato com sua obra. Eu o li pela primeira vez no final da década de 70 e, recentemente, voltei a ler, agora no idioma original. Esta última leitura, confesso, acabou influenciada pela versão cinematográfica, na qual os protagonistas foram interpretados por Jeanne Moreau e Jean-Paul Belmondo.
Moderato Cantabile se tornou famoso pela proposta narrativa totalmente calcada nos diálogos e reduzindo ao máximo a presença de um narrador, característica da corrente literária “noveau roman”, da qual acredito que Duras seja representante das mais significativas.
O livro aborda um tema recorrente na obra de Duras: o encontro casual e breve, profundamente sensual, entre uma mulher e um homem vindos de mundos incompatíveis, e, portanto, sem possibilidades de permanência, de concretização.
Através das personagens principais Duras explora com talento os contrastes sociais: de um lado, temos a ricaça entediada, que, mais que a si mesma e ao seu desejo, representa um nome - Desbasredes; de outro lado, temos o ex-funcionário do seu marido, agora desempregado, e cujo nome sequer é mencionado no início da história. É um sujeito invisível no universo de Anne.
No seu mundo, Anne Desbaredes exerce um papel, tem uma função, mas não existe verdadeiramente, Anne não É. Mas, no espaço de encontro com Chauvin, ambos passam a existir como uma espécie de entidade da paixão, intocável, inabalável. Aqui cabe lembrar que, na paixão revivemos o “estado narcísico” primal e a conseqüente sensação de plenitude que dele se deriva. Duras utiliza com maestria esse princípio na construção da não-história de Anne e Chauvin.
No livro, M.D. explora, também, o conceito de ‘lugar de pobre, lugar de rico’, e, principalmente, o espaço de confluência: a rua, local onde Anne cruza com Chauvin. O Boulevard de la Mer é a ponte entre dois mundos irreconciliáveis, único espaço não interditado onde poderiam se encontrar. Duras toma esse lugar e o transforma no paraíso viável para que o imaginário floresça e o desejo se imponha sem restrições.
É preciso assinalar, ainda, que Moderato Cantabile é uma pequena obra prima de elaboração da linguagem, e esse é, sem dúvida, o maior atrativo do livro. A linguagem surge e se consolida como um elemento acima do enredo; seduz o leitor e o conduz no difícil caminho de preencher os vazios propositais do texto. Por conta desse detalhe, sou obrigada a discordar daqueles que atribuem a importância da obra ao enfoque social, à análise das relações familiares e outros motivos ‘úteis’. A sua real importância está na forma e não na função.
Recomendo enfaticamente.

Sandra B.

imagem: cartaz original do filme. Disponível em: www.clonagedvd.free.fr

sábado, 5 de novembro de 2005

"Aquilo que ainda pode ser salvo"

Rating:★★★★★
Category:Other
A análise dos vínculos entre Literatura e Sociedade, ou a atribuição de uma função social à Literatura é tema de um sem número de pesquisas. Entre aqueles que defendem que toda obra literária deve obrigatoriamente cumprir um papel social, e a outra corrente de pensamento que entende a obra literária como algo absoluto, que existe em si e por si, não tendo compromisso algum além da estética (estesia), inclino-me a engrossar as fileiras do segundo grupo, sem fanatismos.
Uso a expressão ‘sem fanatismos’, pois, é óbvio que há uma extensa zona de intersecção entre literatura e sociedade; a obra literária (a obra de arte, de modo geral) sofre influência do meio social e o influencia, sendo esse um processo de intervenção dinâmico.
Sempre que tenho oportunidade de participar de seminários que discutem o tema, procuro defender a idéia que o saber gerado pela literatura contribui para a sobrevivência de uma identidade social que se constrói como narrativa; esse saber tece imagens, ora inusitadas, ora familiares, à procura de manifestar o real, que se torna tão mais intenso quanto maior for o estranhamento produzido pelo fato literário.
Não que a obra literária tenha essa responsabilidade ou qualquer outra obrigação (como querem alguns), mas, porque está no seu ‘caráter humano’ já que é produzida por homens.
Quando falo em manifestar o real, refiro-me a determinados ângulos da realidade captados pelo olhar do autor, filtrados pelo seu próprio ideário cultural, sua percepção sensorial e afetiva, e, finalmente, transformados por ele em escritura. Aqui, é preciso cuidado para não ser reducionista: a obra literária não é um mero produto da incorporação de realidades apreendidas ou inventadas.
Através do contato com a escritura de Marcuse tenho compreendido melhor a zona fronteiriça e, portanto, conflitante, entre Literatura e Sociedade. Segundo ele: “A verdade da Arte reside no poder de romper o monopólio da realidade estabelecida (isto é, daqueles que a estabeleceram) para definir aquilo que é real”. As grandes obras da pobremente denominada “literatura de engajamento social”, como “Vidas Secas”, por exemplo, são grandes porque exerceram plenamente esse poder, e não porque cumpriram uma suposta função.
Transpondo o pensamento de Marcuse para esse território, compreendo que a obra de arte literária não se compromete com a questão social, mas, a sua energia estésica pode sim, como quer Marcuse “se tornar uma denúncia [e também] a celebração daquilo que resiste à injustiça e ao terror, e daquilo que pode ainda ser salvo”.


imagem: capa do livro de Marcuse: "Eros and Civilization"

domingo, 30 de outubro de 2005

Toda poesia que se há de pescar no Passa-cinco



O rio sempre me foi janela. Meu avô pescava e eu, debruçada sobre as pedras, pescava estórias, na imaginação. Houve um rio e uma menina que o amava e foi vivida por ele. A água fria, o tempo frio, e o avô que se entendia melhor com os peixes do que com a família. O corpo d’água do rio misturado às minhas águas, às vezes claras, às vezes sangue,


Esse rio continua fluindo em tudo que escrevo...


 


o corpo d’água


das minhas águas


delta fecundo


fluindo para o


amar.


 


Sandra B.


* foto: uma das cachoeiras do Passa-cinco

sábado, 29 de outubro de 2005

Dia Nacional do Livro

Rating:★★★★★
Category:Other
Hoje é o Dia Nacional do Livro. Uma data que deveria ser comemorada de forma abrangente, envolvendo profissionais de todas as áreas. Sim, pois os livros são ferramentas de disseminação do conhecimento sob suas mais variadas formas.
Se a escritura surge como um meio de transmissão da informação, a leitura se configura como a mediadora da aquisição dessa mesma informação, do conhecimento. Nesse caso, a leitura é um ato social, e, como tal, é uma questão pública das mais importantes.
Falar em livros é falar em leitura e leitores. Quando pensamos na origem da palavra ler, temos, no grego, a expressão legei, significando colher, recolher, juntar; a palavra em latim foi grafada como lego, legis, legere, cujo sentido exprime a plenitude da leitura: juntar as coisas com o olhar. Nada mais verdadeiro!
Gostaria que hoje, no Dia Nacional do Livro, tivéssemos motivos para celebração, mas, o que não nos faltam são motivos para reflexão. No Brasil há pelo menos 35 milhões de analfabetos funcionais, pessoas para as quais o livro não faz sentido; há, ainda, muitos outros que não tem acesso ao livro, à informação escrita, conforme pode ser observado pela distribuição regional das bibliotecas públicas no país: 21% na região sul; 10% na região centro-oeste; 39% na região sudeste; e 30% na região norte e nordeste. Bibliotecas públicas conectadas à internet só aparecem nas regiões Sul e Sudeste. Dentre essas bibliotecas, é preciso ressaltar, a grande maioria não tem o acervo atualizado, sobrevivem em condições precárias, mantidas por orçamentos ridículos. Fazendo as contas, no Brasil há apenas uma biblioteca deficiente para cada 36.000 brasileiros!
Particularmente, já não acredito que haja interesse do governo em reverter essa situação; relembro as campanhas que vêm sendo realizadas, desde o governo Fernando Henrique até a atual Fome de Livro (com a pretensão de implantar um milhão de bibliotecas públicas até 2006) e observo que, efetivamente, nada mudou.
Teimo em ter esperança. Formar leitores é uma espécie de discipulado. Quem sabe, se cada leitor apaixonado chamasse a si a tarefa de motivar e formar outro leitor através da sua própria vivência em leitura não obtivéssemos bons resultados? É um trabalho de formiguinhas, mas, pode se revelar mais eficaz do que as campanhas de massa.
O livro é um objeto social, portanto, tem função ideológica, mas, essa função só se cumpre quando ocorre a interação livro/público, à parte disso, já não faz sentido. Termino recordando Castro Alves e seu belo poema O Livro e a América:

“Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto --
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe -- que faz a palma,
É chuva -- que faz o mar.




domingo, 23 de outubro de 2005

"Tudo que existe conta"

Rating:★★★★★
Category:Other
O título dessa crônica é um verso de Adélia Prado, um verso que expressa uma verdade incontestável: as pessoas e até mesmo as coisas se dizem. O universo inteiro ressoa para aqueles que têm ouvidos para ouvir. Por isso, gosto de contar histórias, assim mesmo, com “his”, porque, de certa forma, tudo é imaginação, sem deixar de ser memória.

O ato de narrar e contar histórias faz parte do imaginário da humanidade. Narramos para espantar os nossos medos, para conhecer o mundo, o outro e a nós mesmos; narramos para preencher nossas vidas. Sempre que falamos sobre nosso cotidiano, nossas experiências, estamos praticando a narração. Contamos a lendas familiares e nos reencontramos, inteiros, na trama das gerações.

Como contadora de histórias, acredito que a narração, para cumprir seu efeito terapêutico, precisa ser construída e pensada como uma mensagem estética capaz de emocionar, de evocar alguma coisa profunda, íntima, dentro de nós, e que somente pode ser alcançada através da linguagem artística.

Os bons contadores sabem disso, portanto, mergulham nos contos até extrair deles toda beleza, todos os sentidos possíveis; não é importante contar muitas histórias, ter um repertório extenso. O importante é apreender a emoção estética do conto. Para isso, temos que mergulhar, saborear - saber com os sentidos as histórias, porque é essa mágica que vai captar a atenção do público, que vai cativar os ouvintes e colaborar para a formação dos futuros leitores. Contar histórias é como alimentar as crianças pequenas. Oferecemos o alimento em porções dosadas e as crianças crescem saudáveis. Oferecemos as histórias e as ajudamos a amadurecer, enfrentar os próprios medos, descobrir a própria mágica, aquela varinha de condão secreta, que, quando nos tornamos adultos, passamos a chamar de auto-estima.

Sandra B.

domingo, 16 de outubro de 2005

Literatura e Educação

Rating:★★★★★
Category:Other
Recentemente, participei de uma palestra sobre educação não-formal, mesmo porque estou envolvida em alguns projetos que valorizam essa proposta. Embora o tema tenha sido abordado de forma mais geral, acredito que cada ouvinte aplicou o ensinamento à sua área de atuação. No meu caso, colaborou para reforçar algumas idéias sobre as quais tenho refletido, relacionadas ao dueto (que muitas vezes se transforma em duelo) Literatura e Educação.
É inquestionável que a escola tem um papel essencial na formação do aluno-leitor, entretanto, no contexto da rotina educacional muitas vezes assistimos aquilo que os pesquisadores da área chamam “didática da destruição da leitura”, que ocorre quando esta é entendida, apenas, como uma espécie de ponte para a verdadeira necessidade, que seria estudar, menosprezando o diferencial de qualidade representado pelo ensino precoce da Literatura.
Pensar essa problemática se torna fundamental quando nos deparamos com algumas estatísticas, como por exemplo, aquelas publicadas no documento Retrato da Leitura no Brasil (2004); segundo a pesquisa, apenas 15% dos quase 180 milhões de brasileiros podem ser considerados, de fato, leitores. O mesmo documento relata que apenas um em cada quatro brasileiros consegue entender totalmente as informações de textos mais longos e relacioná-las com outros dados. De acordo com este levantamento, aproximadamente 40% dos brasileiros podem ser considerados analfabetos funcionais, isto é, pessoas que não conseguem utilizar a leitura e a escrita na vida cotidiana!
A presença do texto literário na escola precisa ser repensada; esse texto não pode ser utilizado somente como objeto útil ao ensino da gramática e mediador dos exercícios de interpretação, mas, como objeto estético cuja mágica tem potencial para reencantar o ambiente educacional. Utilizado de forma mais lúdica, o texto literário certamente cumprirá, também, o papel de facilitador do ensino da Língua Portuguesa e das demais disciplinas.
O enfoque estético do texto literário, objetivando melhorar a competência em leitura, tem sido muito utilizado em programas de educação não-formal – oficinas de formação de leitores e de contação de histórias - que, infelizmente, não são acessíveis à população que mais necessita deles. Assim, faz-se necessário que a escola, principalmente a escola pública, abrace esse desafio, promovendo o encontro prazeroso entre a Literatura e as crianças e jovens.
A escola e a literatura possuem caráter formativo; se a relação entre ambas ocorrer de forma mais harmoniosa, e menos utilitária no que se refere à concretização dos supostos objetivos escolares, quem sabe teremos a possibilidade de vencer o analfabetismo funcional através do gosto pela leitura. Afinal, gosto se aprende e o que se aprende se ensina.

Sandra B.

quarta-feira, 12 de outubro de 2005

Adélia*


 


            Nascera para deixar os homens esperando. O pai, seu primeiro e mais fiel adorador, contara-lhe segredos admiráveis sobre eles. Sacrificara, impiedoso, a sua própria imagem de macho arrogante para que ela pudesse ver - o homem - despojado do feitiço da virilidade.


            Ela não tinha memória do dia em que percebera que ele estava empenhado em reconstruir-se nela. A mãe, praticante de uma submissão irônica, assistira, mais curiosa que preocupada, o aprendizado da pequena Adélia.


            Na verdade, apenas quando a menina já contava catorze anos, a mulher, que passara a vida bebendo amargura, pressentiu, de forma agoniada, o destino que o pai pretendia lhe dar. Foi, entretanto, privada de assistir o desfecho das coisas. Morreu. Câncer de estômago.


            Ele vivia com a boca seca. Quem deseja sabe. Planejara permanecer casado somente por dois ou três anos, no máximo. As mulheres nunca o atraíram e a convivência com elas parecia-lhe sufocante. Contudo, Adélia (colocara na filha o nome de sua avó, não que a amasse, apenas para seguir a tradição) não lhe permitiu tal opção.


            Ele a amou. Compreendia que se amava nela, mistérios da incorporação. Sabia, também, que caso se separasse da esposa, Adélia estaria perdida para ele. Decidira ficar e tecer as tramas da vida da filha.


            A esposa não se importara; a menina pertencia, sobretudo, a um nome. Tinha a vida penhorada. Ele não precisou disputar Adélia com ninguém. Eram apenas os dois. Cúmplices.


            Cúmplices, sim, pois não lhe mostrara ele, aquela fotografia? Oh! Sim! Ela era um bebê. Ele montara cuidadosamente a câmera sobre o tripé, depois de ter depilado o tórax. Lambuzara os mamilos com mel e aproximara a menina para que ela os sugasse. Repetira muitas vezes o ritual. A mãe se recusara a amamentá-la: coisa animalesca, dizia.           


Ao mostrar-lhe a foto, ela chorara. Devia ter uns dez anos. Ele também chorou, tomado de um sentimento de devoção. No dia seguinte ela menstruara. Ele mandou que ela lesse os livros de Jean Genet; ela leu o que havia para ser lido. Ah! Os segredos que compartilhavam...


            Não temeu, nem mesmo quando viu a fêmea desabrochando feito flor daquela carne tão branca. Adélia crescera noturnamente. Ele presenteou-a com um objeto inesperado: que nenhum homem a surpreendesse virgem!


            Ela adorava o poder. O poder de ser Adélia. Afiava os olhos nas faces dos homens que viviam cercando-a. Sabia que eles queriam muito mais do que ela poderia dar. Todo o seu ser estava comprometido com o homem com o qual celebrara ritos secretos de comunhão. Ritos doces como o mel.


            Nunca. Nunca em toda sua vida desejara uma mulher. Mas, aquela, não era uma mulher. Era, talvez, uma obra de arte. De sua autoria. Ela praticava, contra ele, as lições que ele passara a vida ensinando-a.


            Desejar doía. Com a carne dilacerada pela angústia da posse adiada, ele esperava, sempre. Não fora ele que a ensinara a tardar?  Vez por outra ela atraía homens para a sua cama. Cúmplices.


            Fora numa dessas noites que ele atinara com sua própria verdade. Adélia não era dele: era ele. Desta vez, presenteou-a com um terno, um belíssimo costume, feito sob medida, incluindo um chapéu.   


 


Sandra B.


 


* Adélia. Coletânea "Capitus?"


Imagem: Bartira, de  Miguel Ángel Perez.

sábado, 8 de outubro de 2005

A vingança dos objetos (novo canto)


antes


a tua boca


rompendo manhãs


depois


rompida a costura


das noites dias


fraturados.


 


 


Sandra B.


 


imagem: Lovers, Nicollette Canvas, 2002.


 

terça-feira, 4 de outubro de 2005

CMI - Centro de Mídia Independente da internet

http://quimas.multiply.com/journal/item/71
Para todos aqueles que acreditam que a democratização da informação é fundamental para a inclusão social.

domingo, 2 de outubro de 2005

Poemas Visuais - Philadelpho Menezes




Philadelpho Menezes nasceu em São Paulo, em 1960, e morreu num acidente automobilístico, em 2000. Publicou seu primeiro livro de poemas: "4 achados construídos", em 1980, portanto, tinha apenas 20 anos de idade. Depois, seguiram-se: "Poemas 1980-1982" (1984) e "Demolições (ou poemas aritméticos)", publicado em 1988. Também escreveu "Poética e Visualidade - Uma Trajetória da Poesia Brasileira Contemporânea" (Ed. UNICAMP, Campinas 1991) e foi o organizador de "Poesia Sonora - Poéticas Experimentais da Voz do Século XX" (EDUC, SP, 1992, aliás, imperdível). Foi o articulador e coordenador da Mostra "Poesia Intersignos" - que aconteceu em São Paulo (1988). Sempre penso em Philadelpho e Mário Faustino: ambos foram embriões de uma promessa incomparável da poesia brasileira e, infelizmente, partiram tão cedo. Vita brevis!
Art(e)terna.

sábado, 1 de outubro de 2005

Persona (Bergman, 1966)

Rating:★★★★★
Category:Movies
Genre: Drama
Estou revendo a obra de Ingmar Bergman, o mestre da sublimação da própria dor através da Arte. Persona (1966) é um dos melhores filmes de todos os tempos, considerado a obra-prima de Bergman.
Particularmente, considero um dos filmes mais belos da história do cinema, talvez pelos elementos literários intensamente presentes, pela abordagem metalinguística, pelo grau de estesia que a obra nos provoca.
É um filme bastante liberal e o primeiro no qual trabalha com Liv Ullmann, que viria a tornar-se sua grande musa. O filme conta a história de Alma (Bibi Andersson) a enfermeira incumbida da recuperação psíquica de Elisabet (Liv Ullmann, uma atriz que perdeu a voz durante a exibição do espetáculo Electra. (Não sei se devo dizer que a voz tem uma relação enorme com a nossa potência de vida, mas, enfim, já disse). O seu mutismo foi uma decisão, não fruto de qualquer doença.
Não são poucas as análises acerca do filme,e, a esta altura, é difícil lançar um olhar sobre a obra que não esteja comprometido pelas múltiplas interpretações: ensaio sobre a identidade feminina, história de uma relação lésbica, releitura do mito de Narciso, etc, mas, talvez a única coisa que realmente importe é que Persona é um filme fundamental. Uma leitura da solidão enquanto destino inexorável do homem e a possibilidade de resgate supostamente oferecida pela Arte, pelo Sexo ou pela Religião.
É preciso ver Persona com olhos livres para compreendê-lo em toda sua dimensão trágica, ou melhor, a dimensão trágica (e porque não, absurda) da própria vida. É um filme sobre a dor de descobrirmos o abismo que existe entre o que representamos para os outros e o que somos para nós mesmos, conforme um dos diálogos mais intensos do filme.
Segundo Susan Sontag, que escreveu um ensaio sobre Persona: "para compreender Persona, o espectador deve ultrapassar o ponto de vista psicológico. ... Persona assume uma posição além da psicologia - assim como, num sentido análogo, além do erotismo"

Recomendo enfaticamente.

domingo, 25 de setembro de 2005

Eu e a madrugada




Aproveitamos a ida até Sampa para participar do programa e fomos curtir a noite paulistana; madrugada alta ( e quem vos escreve não menos) nos deparamos com a "vaquinha"* na Rua Oscar Freire; ela topou posar comigo para uma foto...rsrs

* a vaca faz parte da Cowparade, exposição com 150 esculturas de vaquinhas, espalhadas pela cidade de São Paulo. Uma nota insólita na paisagem da metrópole.

Olha eu na tv!


antes de entrar no ar, combinando a pauta com o entrevistador Eber Cocarelli.

Fui convidada a participar de um programa de entrevistas ao vivo, na RiTv, uma rede associada à Band News, mas que tb é distribuída no sistema aberto através de UHF. Foi muito legal, pude falar sobre meu trabalho literário e também sobre as oficinas de formação de leitores e de terapia literária. Antes da entrevista começar eu estava meio tensa, mas depois fiquei super tranquila. Adorei!

domingo, 18 de setembro de 2005

nu espelho



Olhos de quarenta


enredo


a boca re


inventa o


só (riso)


rede.


Na retina


a súbita


clareza:


resisto.


 


Sandra B.


 

Brennand e o Inconsciente


A arquitetura do Museu Niemeyer é de grande expressividade.

Visitei e fotografei esta exposição por ocasião de minha viagem a Curitiba, em abril.
Francisco Brennand nasceu em Recife, em 1927, e é um dos maiores nomes da arte brasileira.

Sedna II - A mulher esqueleto


Description:
Esta história também faz parte do ciclo de Sedna.

Ingredients:
Era uma vez um jovem pescador que ficou perdido no oceano por longos dias. Ele era muito destemido e, por conta de sua coragem, acabou chegando com seu caiaque em uma região de águas profundas. Tendo fome, resolveu lançar as se pescar algo para si. Ao puxá-las, sentiu que elas traziam algo grande e pesado. Imaginando tratar-se de um peixe avantajado, puxou com todo o entusiasmo até trazer à tona a horrível visão de uma mulher-esqueleto. Era o corpo de Sedna, comido pelos peixes e deteriorado pela longa permanência nas águas abismais. Apavorado, o pescador pôs-se a remar a toda velocidade. Entretanto, quanto mais rápido remava, mais rápido o esqueleto era arrastado atrás dele, pois os ossos haviam-se enroscado nas redes de pesca. Chegando em terra, o pescador se pôs a correr com quantas pernas tinha. Como levava com ele a rede, a mulher-esqueleto vinha junto, pulando e chacoalhando os ossos. O pescador pulou para sua tenda, achando que ali estaria protegido, e levou um enorme susto ao descobrir que o esqueleto entrara com ele. Conseguindo superar a sensação de pavor, só então o rapaz tomou coragem para olhar com mais atenção a mulher-esqueleto e descobrir que ela só o seguira porque seus ossos descarnados estavam enroscados na rede. Então, pela primeira vez o pescador sentiu compaixão por aquela mulher agora transformada num monte de ossos. Aproximou-se, tomou coragem e começou a desembaraçar os ossos dos fios da rede. Aos poucos, libertou todo os ossos do esqueleto e deitou-os cuidadosamente sobre uma confortável pele de urso. Encerrado o trabalho, e percebendo que nada mais podia fazer por aquele esqueleto que um dia fora uma mulher, foi dormir com uma lágrima a escorrer dos olhos.
Acontece que, depois de dormir um tempo imemorial no fundo do oceano, a mulher-esqueleto sentiu-se confortável e aquecida pela pele de urso. Então ela acordou, viu seu benfeitor a dormir e viu também a lágrima a escorrer-lhe do olho. Como a mulher-esqueleto tinha sede, levantou-se e bebeu a lágrima do pescador. E bebeu muito e muito, porque sua sede vinha de muito longe. Depois percebeu que o pescador fizera comida, e comeu um pouco dela. E como sua fome vinha de muito longe, ela comeu e comeu e comeu, até sentir-se aquecida por dentro. E aos poucos a carne foi de novo cobrindo seus ossos, e seus cabelos cresceram belos outra vez, e seu corpo foi tomando forma. Quando o pescador acordou, descobriu que uma linda mulher dormia a seu lado. Não é preciso dizer que os dois ficaram juntos desde então, e que jamais faltou boa pesca para ele, pois ela sempre sabia lhe dizer onde jogar a rede.


Imagem: Sedna - obra de Raine Walker.

Directions:
"Tudo que existe conta"

A lenda de Sedna I


Description:
Costumo contar esta história para adultos. Trata-se de um mito do povo Inuit, que ocupa um lugar essencial na cosmogonia nórdica. Como as lendas deste povo são transmitidas oralmente, as histórias estão sempre se modificando, sendo reinterpretadas pelos contadores, embora guardem os elementos principais.

Ingredients:

Era uma vez uma jovem de grande beleza, cujo nome era Sedna; a linda moça era filha de um grande caçador de uma comunidade litorânea, e estava em idade de se casar. Muitos rapazes valorosos de sua aldeia já se haviam apresentado como pretendentes, mas ela recusara todos. O pai manifestava preocupação, pois estava ficando idoso e não poderia manter Sedna indefinidamente. O melhor destino que uma jovem esquimó pode esperar é casar-se com um caçador jovem e forte, capaz de sustentá-la com os frutos da caça e da pesca. Mas Sedna não se interessava por nenhum pretendente, parecendo esperar por alguém especial.
Um dia apareceu na aldeia um visitante bem apessoado, de aparência sedutora e vestido com belas peles. Prometeu a Sedna que, se ela o aceitasse em casamento, teria sempre uma tenda limpa e confortável, peles macias para dormir e a melhor carne que o Ártico pudesse dar. Disse ainda que garantiria o sustento de seu pai, enviando-lhe periodicamente a caça que a velhice já não lhe permitia obter com tanta fartura outrora.
Encantada, Sedna aceitou a proposta e foi levada por seu novo marido para uma ilha distante. Lá, descobriu a dura verdade: o homem que parecia tão bonito e simpático despiu-se das peles e mostrou ser um fulmar (ave de rapina do Ártico) disfarçado. O marido-pássaro era cruel e de péssimo caráter, mantendo Sedna praticamente prisioneira. Dava-lhe para comer apenas restos de peixe cru e, como casa, uma tenda terrivelmente suja e cheia de furos por onde entrava o vento gelado. Sedna chorava todos os dias, e o vento levava seus lamentos para muito longe.
Um dia, ao ouvir os gemidos de Sedna que chegavam com a ventania, seu pai resolveu visitá-la. Desconfiava que algo não andava bem, já que nunca recebera os alimentos que o marido-pássaro um dia prometera. Saiu então, em seu caiaque, remando pelo oceano gelado, em busca da ilha para onde a filha fora levada. Ao chegar perto, ouviu nitidamente os lamentos de Sedna e apressou as remadas. Chegando lá, encontrou a filha infeliz e maltratada. Como o marido-pássaro estava longe, o pai aproveitou para fugir com de Sedna no caiaque, rumando rapidamente para a aldeia nativa. Contudo, a viagem era longa. Em dado momento, pai e filha ouviram gritos e ruflar de asas. Era o marido-pássaro que, tendo descoberto a fuga, vinha furioso, seguido por outras aves de rapina, para buscar a esposa de volta. O pai tentou remar mais rápido, mas de nada adiantou: o marido-pássaro atacou o caiaque com violência e, tocando o mar com a ponta da asa, ordenou que ondas gigantescas se levantassem, tal como nas piores tempestades.
A situação tornou-se desesperadora. Em pânico, o pai de Sedna percebeu que a única forma de salvar a pele seria livrando-se da filha, já que era a ela que o marido-pássaro queria. Então, para surpresa de Sedna, o velho caçador empurrou-a no mar, para que o marido a pegasse. Mas Sedna não tinha nenhuma intenção de morrer, nem de voltar para o terrível marido: com toda a força, agarrou-se com as mãos à lateral do caiaque, num esforço para voltar para bordo. O marido-pássaro ficou furioso e invocou novas ondas ainda maiores. O pai, cada vez mais desesperado, sacou então seu facão de caça e começou a cortar os dedos de Sedna, num esforço para obrigá-la a soltar o barco. Os dedos decepados da jovem foram caindo ao mar, um a um, e transformando-se nas espécies que até hoje habitam as águas do Ártico. Assim surgiram os peixes, as baleias, as focas, os elefantes-marinhos e os outros animais que servem de alimento para o povo Inuit.
Depois de perder todos os dedos, Sedna não conseguiu mais manter-se agarrada ao caiaque. Lentamente afundou nas águas, enquanto as ondas se acalmavam e seu pai conseguia fugir. Mas Sedna não morreu. Desde então vive nos abismos do oceano profundo, onde se transformou na Deusa dos Mares. A fauna do Ártico é sua companhia constante. Quando os homens atentam contra a natureza, quando se deixam levar pelo ódio e pelos interesses mesquinhos, quando não amam seus semelhantes, o peso dos pecados do povo Inuit chega ao coração de Sedna, que se põe a soluçar. Então, todos os animais do Ártico se postam em torno dela, no fundo do oceano, o que faz faltar comida para os caçadores e pescadores. As ondas se levantam, agitadas, e o vento traz tempestades. Vem então uma época de desolação e fúria dos elementos, trazendo a fome para a comunidade.
Para que as coisas voltem ao normal, faz-se necessário um ritual de purificação. É quando entra em cena a xamã da comunidade (uma mulher sábia e conhecedora dos segredos da natureza) que promove um rito em que todos confessam seus erros, penitenciando-se e fazendo promessas de não mais maltratar a terra em que vivem. Então, a xamã entra em transe e vai em busca de Sedna no fundo do oceano. Conversa docemente com a deusa, relatando o arrependimento e as promessas de seu povo. Depois desembaraça e penteia os cabelos negros de Sedna, retirando deles com cuidado as algas e os caranguejos. A deusa das águas vai se acalmando aos poucos e pára de chorar. Compadecida com os homens, libera mais uma vez os animais marinhos para que subam à superfície e se ofereçam como alimento.


imagem: obra de Frida Kahlo. El abrazo de amor del universo.




Directions:
Fui ao moinho, moi a farinha
quem quiser que conte outra
pois eu já contei a minha.

Terra Amada

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Liliana Laganá
Minha querida amiga, a escritora Liliana Laganá, estará lançando seu novo livro - Terra Amada - no próximo dia 21 de setembro. O livro tem o selo da Editora Casa Amarela e tive a alegria de escrever o prefácio.
A autora estará autografando os livros, num evento muito especial, regado a vinhos tintos e especialidades da culinária italiana, incluindo a deliciosa foccaccia, com receita original que Liliana trouxe da Itália. Agora, um fragmento do prefácio:

"A voz da narradora, que se constrói junto com a narrativa, fala de um lugar onde ocorre o encontro e a integração de dois mundos, duas paisagens que se transformam e se amalgamam para gerar a Terra Amada – espaço mágico onde a própria vida se reencanta à medida em que é contada, e que o leitor, enfim, descobre onde fica e o que significa. Liliana narra para espantar os seus próprios medos e, ao fim, descobrimos que espantou também os nossos. (...) Como resultado deste trabalho criativo, temos que, aquilo que a autora recordou, ou seja, aquilo que passou novamente pelo seu coração, conforme nos mostra a etimologia da palavra ‘re-cordis’, tem o poder de iluminar as nossas próprias memórias, ampliando o nosso olhar, a nossa compreensão da vida mesmo, enquanto escritura que se elabora no passado, no presente e no futuro."

Sandra B.

Local: Ed. Casa Amarela - Rua Fidalga, 162. Vila Madalena/SP
Horário: à partir das 19:30h

domingo, 11 de setembro de 2005

Rio - fotopoema




fotografia do rio Querência do Turvo - Paraná. (março/2005); imagem tratada com PhotoImpression 7.2 (Arcosoft)

sábado, 10 de setembro de 2005

Alicenógena*



“A beleza será convulsiva – ou não será”  André Breton


 


 


Alice chega, acompanhada dos seus fantasmas. A lâmina, tão próxima da garganta, presa por um barbante encardido, circundando o pescoço alvo. O que mais corta em Alice são os seus olhos. Sílesis.  Fragmentos de um espelho quebrado ornamentam as pernas da calça e conforme ela se aproxima vejo-me dividido em dezenas de figuras que vão se deformando.


Maracujás frescos. O beijo. A faca penetrando a carne da fruta e liberando seu aroma mais secreto.


O primeiro encontro foi na bienal de arte; Alice abordava as pessoas, carimbando-as com sua digital. O seu polegar, roxo de tinta, colou-se ao meu pescoço.   O choque com as turquesas do olhar durou um segundo. Isso  define você? Segurando pelo pulso a mão suja dela.  Tornei a vê-la no finalzinho da tarde. Pensara nela algumas vezes, ao observar pessoas carimbadas pelos seus dedos. Ela mantivera contato  com centenas de pessoas, mas,  aparentemente reconheceu-me, pois acenou e fez um gesto apontando para a lanchonete.


Batom, não. Nem um único traço de maquiagem. Há pequeninas folhas de árvore coladas na camiseta. Viçosas, algumas, recém-colhidas.  Pobre de mim, que pinto naturezas-mortas. Nela, tudo lateja, celebrando a vida.


Saímos juntos do Ibirapuera. Posso te dar uma carona. Moro longe. Tudo bem. O bairro é um bocado perigoso. Eu me arrisco uma vez por ano, pode ser hoje. O brinco na orelha esquerda é um dente-de-leite. As turquesas mirando bem de perto o meu rosto.


Esta aqui atrás, de rabo-de-cavalo. Mas é só um  retrato na parede, não explica  a aflição.  Desde menina aquele olhar de quem estranha  tudo.  Má filha, péssima aluna, anticinderela.


Você quer me comer, não atravessaria a cidade toda só por um café. Eu aceito o café. As paredes estão cobertas de fotografias rabiscadas, semirasgadas, coladas a outras de forma irregular. Tem o michael jackson  mamando as tetas de uma negra enorme e linda. E aquela imagem famosa do anjo da guarda, com auréola e tudo, as mãos redesenhadas agarradas às coxas da débora secco, lolitamaldita. 


Objetos cortantes se espalham por todos os lados; reparo num prego cravado numa maçã, sobre a pia. É tudo muito limpo, o chão parece encerado. Um cheiro intenso de maracujá.


Refletida nos cacos de espelho, a imagem de um homem qualquer. A minha


 Detesto que cuide de mim, que fique me perguntando se eu já almocei. Sim senhor, eu tomei banho e coloquei uma calcinha de algodão limpa, mas isso não me torna casta.


Comprei uma gravura, uma cópia do Andy Wharol. É pra você. É feito você. As turquesas crescem pra dentro de mim. Não me dê coisas, não goste de mim. Beijobeijobeijobeijo.  Se é feito eu, guarda com você, pra me esquecer mais depressa. Nunca aceita o convite pra ir ao meu apartamento. Eu não gosto desse seu mundo sem arestas. 


No primeiro encontro, foi só o café. No domingo seguinte eu arrisquei aparecer sem avisar (telefone está na lista dos objetos que Alice repugna). Tem aquela mulher que foi casada com um presidente americano, jackeline. A foto é antiga, preto e branco, ela está nua e há uma nota de 1 dólar cobrindo o sexo.


Aquela era a minha mãe. Ela chorava quando ouvia o Roberto Carlos cantando, mas não dá pra ver isso na foto. Hoje, você vai me comer, acabou o café.


O que é uma mulher? O que é esta mulher que ao se mostrar nua me arrasta para dentro das suas sombras? Tateio os minúsculos cortes em suas mãos.  Ela é de verdade. A carne quente ao toque e a surpresa da ternura. Desde então, sempre a surpresa dessa ternura, ainda que selvagem, que jamais se manifesta em outra situação.


Alice fez uma incisão milimétrica nos olhos da adriana calcanhotto de onde vazam notas musicais coladas à maneira de lágrimas. Estaria a música no olhar? É a última imagem que vejo, antes de fechar os olhos e gozar.


Como assim, esquecer mais depressa? Alice, pertencida de abandono. Por que? Você acreditou que ia “constituir família” comigo? Eu preciso da ternura e do ódio também. Ai, meu deus, você queria que eu fosse uma personagem da bárbara cartland! Uma inglesa babaca que escrevia estorinhas de amor com final feliz, a minha mãe lia... História comigo não tem essa de feliz.


Eu não sei o tamanho da dor de Alice, mas deve ser grande e está presente em tudo; em seus gestos, nas fotografias que ela destrói-constrói,  no cabelo assimétrico, cortado com faca, nos seus desenhos. Está no coração do seu corpo que eu penetro sem ilusão de possuí-la.


Ela empurra a gravura na minha direção e nem mesmo olha pra ver como é. Tenho que ir. Mas você nem chegou. Lembro-me de clarice: saudade só passa quando a gente come a presença. Explico pra ela, clarice, a escritora. Alice sabe que não estou falando de uma última transada antes da despedida inevitável. Sabe, sim.


Maracujás frescos. Os sucos de Alice.  A faca desvendando o segredo da fruta.


Refletido nos cacos do olhar, quem sou não me reconheço.


 


Sandra B.


 


* O conto Alicenógena foi publicado pela Revista Cult, edição de abril; por conta dessa divulgação, fui convidada a integrar uma antologia de contistas latinoamericanos contemporâneos, editada pelo Centro de Estudios Literarios de la Universidad de Madri.


imagem: La donna - Egon Schiele. Disponível em: www.makilout.net


 


 

quarta-feira, 7 de setembro de 2005

domingo, 4 de setembro de 2005

Setembro


 

primavera –

 

imensa festa

 

traduzida em

 

teu cheiro;

 

pelas ruas,

 

setembro

 

se derrama:

 

olfatável melodia.

 

O meu desejo

 

só pede o

 


teu jardim.


 


 


Sandra B.


 


*imagem: fotografia de Fernando Gomez Viñara.

The internet movie database

http://www.imdb.com/
Um verdadeiro presente para os cinéfilos de plantão: base cataloga toda espécie de informação sobre mais de 250.000 filmes, desde os primórdios do cinema até os dias atuais, abrangendo um contingente de mais de 900.000 pessoas envolvidas com a indústria cinematográfica, entre atores, atrizes, diretores e roteiristas, produtores e técnicos. O site disponibliza ainda uma coleção com mais de 45.000 fotos. Quase todos os serviços são gratuitos; alguns são acessíveis mediante inscrição.

Prossiga - Estudos Culturais

http://www.prossiga.br/estudosculturais/pacc/
Sítio valioso para pesquisadores e pessoas que estejam desenvolvendo trabalhos acadêmicos nas mais diversas áreas. Estou lincando a Biblioteca Virtual de Estudos Culturais porque guarda relação com a minha área de atuação, mas é possível pesquisar, também, a área de C&T. Este sítio, particularmente: "relaciona e linca endereços de interesse para pesquisadores da cultura contemporânea, nos seus mais variados enfoques. Visando a articulação entre o campo da produção científica e outras áreas da vida social, contempla tanto endereços de nítido caráter acadêmico, quanto aqueles associados a organizações de cunho político e cultural."
O linque "Acervos e Referências" oferece uma excelente revisão bibliográfica envolvendo os mais variados temas: Antropologia, História, Arte, Ciências Sociais, Literatura, etc.
Recomendo enfaticamente.

sábado, 3 de setembro de 2005

Scientific Electronic Library Online

http://www.scielo.br/scielo
Excelente sítio de pesquisa:
"A Scientific Electronic Library Online - SCIELO é uma biblioteca eletrônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros.
A SCIELO é o resultado de um projeto de pesquisa da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em parceria com a BIREME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde. A partir de 2002, o Projeto conta com o apoio do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
O Projeto tem por objetivo o desenvolvimento de uma metodologia comum para a preparação, armazenamento, disseminação e avaliação da produção científica em formato eletrônico.
Com o avanço das atividades do projeto, novos títulos de periódicos estão sendo incorporados à coleção da biblioteca.

domingo, 28 de agosto de 2005

A Poesia de Iracema Macedo

Rating:★★★★★
Category:Other
Resposta ao Anjo Gabriel

Agora que aprendeste a incendiar-me
e me adivinhas inteira dentro do vestido
agora que invadiste a sala e o chão de minha casa
agora que fechaste a porta
e me calaste com teus lábios e língua
peço-te afoitamente
que me faças assim
ínfima e sagrada
muito mais pornográfica do que lírica
muito mais profana do que tântrica
muito mais vadia do que tua.

***

As vestes

Enfrentei furacões com meus vestidos claros
Quem me vê por aí com esses vestidos
estampados
não imagina as grades, os muros
o chão de cimento que eles tornaram leves
Não se imagina a escuridão
que esses vestidos cobrem
e dentro da escuridão os incêndios que retornam
cada vez que me dispo
cada vez que a nudez me liberta dos seus laços.

***

Dandara

Eu só acreditava em Drummond:
‘o amor chega tarde’
Não conhecia o amor que fulgura sem aviso
esse que se sabe proibido
o amor que já se sabe perdido desde o início
Eu não acreditava no impossível
vinha tão sóbria, tão cheia de medidas
não conhecia o esplendor da queda
nem a violência dos abismos.

***

O espantalho

Ao meu redor cresce verde a lavoura
e eu sou de seca palha
Ao meu redor homens se movem e trabalham
e eu resisto imóvel ao meu ofício triste
Estou cercado de arame por toda parte
por toda parte assusto pássaros que amo
Meus braços estão abertos para o espanto
não para o trabalho ou o abraço
Meu corpo de palha seca
nunca sentiu a volúpia dos bichos
Vivo abismado e só
Escancarado sob a luz dos astros.

***

O TEU DEMÔNIO

O teu demônio me segue
anos a fio
ele tece flores para mim
divide meu corpo em partes
Ele me culpa
acena feliz por trás das labaredas
dança ao meu redor
cresce como uma planta
eu aparo suas bordas seu rabo seus chifres
O teu demônio me encanta
como um retrato antigo amarelado
uma xícara de louça no mercado
O teu demônio me espanta
canta para mim todas as noites
me arde me explora me atormenta
O hálito quente sobre a minha boca
a febre sempre
O teu demônio vai embora hoje
eu fujo dentro dele a galope
eu vivo dentro dele feito um passarinho
feito uma coisa miúda enorme pobre
dilatada como um crucifixo
dura como uma esmeralda
Me esmero e espero
um dia me chamo Laura
tu me abocanhas os peitos
eu te abocanho a alma .

* Iracema Macedo, poeta e professora de Filosofia; nascida em Natal, Rio Grande do Norte.







Pai Patrão

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Literature & Fiction
Author:Gavino Ledda
Gavino Ledda ou Gaínu de sus Ágües, como prefere ser chamado, é o aclamado autor de “Pai Patrão”, seu primeiro romance, lançado em 1975. O livro tornou-se mundialmente conhecido, principalmente após o filme homônimo dos irmãos Taviani, que ganhou a Palma de Ouro no festival de Cannes, em 1977.
Pai Patrão, certamente, é uma importante obra da literatura italiana, e sua relevância guarda estreita relação com o autor, cuja história de vida é retratada no romance. Gavino Ledda, filho de um camponês quase miserável, foi arrancado dos bancos escolares aos seis anos de idade, para desempenhar a tarefa de pastor conforme exigido pelo pai, seu “proprietário”.
A partir desse momento, Gavino vivenciou a infância trágica que descreve no livro; aos seis anos de idade, franzino e assustado, o pai o responsabilizou pela guarda do rebanho, e, depois de um curto período de ‘treinamento’, que o pai fez questão de marcar com uma violência furiosa, iniciou-se o período que ele chamou de “reclusão selvagem”. Numa das mais belas passagens do livro, o autor diz, referindo-se a si mesmo quando menino: “Agora eu também era uma semente e devia nascer e brotar (naskere e tuddire) sozinho no nosso campo, e seguir as leis do reino vegetal no pousio da solidão, como todos os pastorzinhos da Sardenha”
Assim, o menino, mais que experimentou, foi vivido pela solidão. Esse é o aspecto que mais chama a minha atenção na obra: creio que essa solidão, quase uma entidade, estabeleceu sua própria geografia no corpo e na alma de Gavino, muito mais do que as surras violentas que o pai aplicava para ‘ensiná-lo’. Muito mais do que a fome, a miséria, a falta de perspectivas, a solidão engendrou o futuro e improvável escritor.
O livro “Pai Patrão” surgiu como uma outra forma de expressar o seu grito: “De tanto em tanto eu soltava um grito no silêncio interminável e medonho do bosque. (...) Naquele tempo eu tinha medo daquele silêncio e o fato de eu próprio quebrá-lo, mesmo que com um grito em parte produzido pelo medo, dava-me coragem. Assim acontecia que o mesmo medo que eu tinha daquele silêncio gerava, através dos gritos, uma constante de coragem com a qual conseguia vencer o terror que aquele silêncio incutia em mim, com sua interminável monotonia.”
A solidão que orquestrava os gritos também foi mestra: “A solidão do bosque e o silêncio profundo do ambiente (...) que para mim já não era mais silêncio. De tanto ouvi-lo aprendera a entendê-lo e tornara-se para mim uma linguagem secreta. (...) Por causa da solidão, a natureza representava para mim um ‘você’ indefinido: o único ‘você’ amigo com quem podia me comunicar sem vergonha nem constrangimento.”
Gavino Ledda relata que a palavra chegou a perder a importância para o menino solitário que foi, pois os sons da natureza e do silêncio levaram-no a criar um dialeto próprio, íntimo, cantado e, nesse dialeto, ele renomeou o seu mundo.
Os anos se passaram, o menino deu lugar ao adolescente que, por sua vez, abriu caminho ao homem: “E mesmo sendo um pastor sem malícia, mais ingênuo que o carneiro que fecundava minhas ovelhas, dentro de mim rugia um furor de conquistar algo de que eu não tinha consciência. (...) O meu eu, que permanecera intocado com todos os seus recursos interiores, estava à espreita, à espera de um eventual renascimento.” Aproximava-se o momento em que deixaria de ser propriedade do pai e seu instrumento de trabalho, o momento da ruptura com tudo que a autoridade paterna simbolizava. A história dessa ruptura que, então percebemos, já se delineava desde o princípio.
Alfabetizado aos 20 anos, Gavino Ledda sentiu grande interesse pela escrita e pela língua, dedicando-se ao estudo da Lingüística e, posteriormente, tornando-se professor universitário; foi a descoberta do poder da língua e do diálogo (sempre considerado subversivo pela autoridade patriarcal) que transformaram o pastor em autor, narrador e personagem da sua própria história. E mais: ao narrar esta história, o camponês Gaínu de sus Ágües emprestou a sua voz a todo o seu povo, exprimindo uma realidade que supera aquilo mesmo que busca expressar. De “Pai Patrão” Gavino diz: “Isso não é um livro, é terra.”

Pai Patrão. Gavino Ledda. Berlendis e Vertecchia Editores, 2004.

Sandra B.

sábado, 27 de agosto de 2005

Feminina


Sigo,


sangrando em


ciclos


singrando


(po)mares


re


ciclando


opióides


sintetizando o (pro)


lixo.


 


Sandra B.


imagem: vintage. Disponível em: www.bianconero.com

domingo, 21 de agosto de 2005

De máquinas e seres vivos: Autopoiése - a organização do vivo

Rating:★★★★★
Category:Books
Genre: Nonfiction
Author:Humberto Maturana
O biólogo chileno Humberto Maturana é o idealizador da chamada Biologia do Conhecimento; ele engendrou a teoria da autopoiése, ou seja, da autofabricação dos seres vivos. A leitura de Maturana tem influenciado muito o meu olhar sobre o mundo, sobre as pessoas.

Partilho alguns fragmentos de suas teorias, que embasam todo o seu pensamento:

"Todo fazer é conhecer e todo conhecer é fazer."

"Sistemas vivos sãos sistemas cognitivos, e o viver, enquanto processo, é um processo de cognição."

"A ética não tem um fundamento racional, mas sim emocional."

“A vida não tem sentido fora de si mesma; o sentido da vida de uma mosca é viver como mosca, ‘mosquear’, ‘ser mosca’; o sentido da vida de um cachorro é viver como cachorro, ou seja, ‘ser cachorro ao cachorrear’;o sentido da vida de um ser humano é o viver humanamente ao ‘ser humano no humanizar’. E tudo isso no sentido de que o ser humano é somente o resultado de uma dinâmica não-proposital.”


Prostituição, fantasia feminina [Flávia Fontes]

http://claudioalex.multiply.com/journal/item/445
Recomendo enfaticamente a leitura deste artigo.

sábado, 20 de agosto de 2005

você-você


Eu salvei você, foi para que sua imagem, a verdadeira você se salvasse. Foi para que essa você que me habita não se perdesse em si mesma. Foi por você. Você-você.


Não essa você que de repente se tornou você-sem-mim, essa que cresceu e se apoderou de você, essa cadela-de-você que criou língua e inventou a ladainha do adeus.


Ah, você-você sempre aceitou de pernas abertas as flores em troca das flores púrpuras que eu plantava no seu corpo. Já você-sem-você se atreveu a acreditar que o seu corpo lhe pertencia, que você-sem-você poderia levá-lo pra um lugar onde eu não estivesse e isso não podia ser.


Essa você-sem-você logo logo acabaria falada e com que cara que eu ia ficar? Diz você-puta! Mas você não! Você-você é aquela menina virgem do retrato em cima da TV... olha lá, eu-com-você no dia do nosso casamento.


Eu-com-você tinha que ser pra sempre, com você-você calma como está agora, pena que a outra-de-você cortou o cabelo assim, curtinho, mas veja só, eu botei o véu na sua cabeça e você-você está linda... tão linda.


Fecha os olhos, meu amor, é melhor dormir de olhos fechados... pronto... eu fecho pra você-você, fica deitadinha no meu colo, eu esquento você-você.


Eu sei que você-você entendeu que o meu amor não podia deixar aquela-puta-de-você ir embora de mim, embora de nós... agora não tem mais perigo dela-você levar você-você pra longe. Não se preocupe, eu salvei você...


 


Sandra B.


 


imagem: Jalouse. Captada em unit.bjork.com